sexta-feira, 13 de setembro de 2013

25 ANOS PARA QUE UM SONHO SE REALIZASSE

2. O ESTÁGIO NA FRANÇA E NA BÉLGICA

Em 1960  era fácil conseguir um estágio na França e como a SESA estava interessada em introduzir no Brasil a fabricação de centrais telefônicas eletromecânicas do tipo de barras cruzadas do modelo Pentaconta desenvolvido pela CGCT (Compagnie Générale de Constructions Téléphoniques), empresa francesa subsidiária da ITT, ainda antes de nos formarmos, o Ramalho e eu optamos pela área de comutação na SESA e iniciamos também as providências para conseguir um estágio na França.
Como os arranjos para conseguir o estágio, incluindo a aprovação da CAPES para pagar a passagem de ida e a aprovação do Itamaraty para nos conceder um passaporte especial, ainda demorariam algum tempo, logo no início de janeiro de 1961, começamos a trabalhar, fazendo uma espécie de estágio com duração de dois meses em todas as áreas da SESA. Lembro-me em especial da semana que passamos na área de equipamentos de onda portadora (equipamentos multiplex que permitiam transmitir vários canais de voz em um par metálico). Talvez por ser a área mais dedicada à tecnologia, a biblioteca da SESA ficava subordinada a essa área que era dirigida por um iteano o Alberto Fabiano. Como o Fabiano era muito formal todos os engenheiros eram chamados de “Doutor”. Qual não foi a minha surpresa ao me dirigir à bibliotecária e ser chamado de Dr. Parola: senti-me como se fosse um médico de avental branco.
A tecnologia da época certamente não tem nada a ver com a tecnologia usada nas fábricas atuais. Algumas dessas tecnologias desapareceram rapidamente como a fabricação de aparelhos telefônicos de baquelite com disco de zamak e a fabricação de válvulas de transmissão de alta potência para “broadcasting” que eram feitas empregando técnicas de vácuo e materiais bastante sofisticados para a época, embora fossem feitas artesanalmente.

A SESA havia nos dito que faríamos um curso sobre o sistema Pentaconta na CGCT. Quando chegamos a Paris em março de 1961 e nos dirigimos à CGCT, descobrimos que curso sobre Pentaconta havia terminado no final do ano anterior. O Sr. Camus, Diretor da área de engenharia, informou que o que poderíamos fazer era participar juntamente com três estagiários das Filipinas, de uma aula diária com duração de uma ou duas horas. Assim começamos a ter aulas sobre os circuitos usados (as centrais eletromecânicas do tipo de barras cruzadas usavam essencialmente seletores de barras cruzadas e relés o que para nós não trazia nenhuma novidade), os equipamentos (tipos de relés e seletores) e principalmente sobre o tráfego telefônico. Quando perguntamos sobre a centrais eletrônicas informaram que quem estava trabalhado nessa área era a BTM (Bell Telephone Manufacturing) subsidiária da ITT na Bélgica.
As aulas sobre tráfego telefônico eram dadas pelo Sr. Chastang, um ex-coronel do exército que havia servido na Síria durante a época da 2.a guerra mundial, tinha sólidos conhecimentos de matemática e estatística e havia introduzido no sistema Pentaconta alguns critérios, como a “entre-ajuda” que permitia reduzir o congestionamento interno, característico de todos os sistemas eletromecânicos cujos seletores apresentavam acessibilidade restrita.
As aulas se realizavam na biblioteca da CGCT e os filipinos que estavam mais interessados em conhecer Paris do que entender o Pentaconta assim que acabava a aula iam embora. Eu e o Ramalho ficávamos estudando ou indo para a fábrica para aprender a respeito da fabricação, montagem, elaboração dos programas de testes e controle de qualidade.

Depois de seis meses de estágio incluindo a parte de manutenção de uma central Pentaconta em operação na rede do PTT francês, instalada em Douai no norte da França, fomos fazer um outro estágio na BTM em Antuérpia.
A razão para o estágio na Bélgica foi principalmente a de manter contato com o pessoal da BTM, pois embora o Pentaconta tivesse sido desenvolvido pela CGCT na França, o relacionamento comercial da SESA era feito, por razões históricas, com a BTM que havia fornecido a maior parte das centrais telefônicas rotativas 7A1 e 7A2 que compunham a rede telefônica da cidade do Rio de Janeiro. Devido à segunda guerra mundial algumas centrais rotativas para o Rio de Janeiro haviam sido fornecidas por uma empresa americana. 

O estágio na CGCT ocorreu durante a primavera e o verão (março a setembro) e o estágio na BTM ocorreu no outono (outubro a dezembro) o que fez uma diferença enorme. 


Em Antuérpia só vimos o sol na primeira semana. Saiamos para trabalhar pouco antes das 8:00 horas e estava escuro, voltávamos às 17:00h e já era noite. Não entendíamos a língua, pois em Antuérpia, que está situada na região de Flandres, fala-se holandês. Lembro-me de uma vez, quando estávamos em um bonde, um homem começou a falar alguma coisa e de repente todos estavam gargalhando, certamente era uma piada mas nós não entendíamos nada e era como se fossemos surdos. A temperatura e o vento eram outro problema. Durante todo o outono a temperatura ficava perto de 0ºC. Não nevava pois a temperatura não era suficientemente baixa, mas chovia e ventava quase que permanentemente. O vento parecia fazer curvas pois em qualquer rua em que estivéssemos o vento sempre soprava forte e mesmo que entrássemos em uma rua perpendicular o vento continuava. Além disso os belgas são muito respeitadores da lei. Nunca atravessam a rua quando o sinal está fechado para os pedestres. Lembro-me de um dia que ao sair do cinema, lá pelas dez da noite, tínhamos de atravessar a Frankrijklei, uma avenida larga. O sinal estava fechado para nós, mas não havia nenhum carro na avenida, e se estivéssemos no Brasil atravessaríamos sem nenhuma dúvida, mas tivemos de esperar uns dois minutos para não fazer feio perante os belgas que esperavam pacientemente que o sinal abrisse para os pedestres.



Aliás, o problema da língua é muito sério na Bélgica. Na região de Flandres fala-se flamengo, um dialeto do holandês, na região da Valônia fala-se francês e em torno de Bruxelas há um região bilíngue. No passado a região da Valônia era mais rica devido à extração de carvão. Hoje em dia a região de Flandres é mais rica. Como em todos os países os políticos belgas não são exceção e exploram as diversidades, no caso da Bélgica caracterizadas pela diversidade de língua e de geração de riqueza, para estimular a desunião e, embora a Bélgica seja um país de apenas 30.000 km2, é  bem possível que no futuro dê origem a dois ou três países. 
25 ANOS PARA QUE UM SONHO SE REALIZASSE



1.  A DECISÃO DE TRABALHAR EM COMUTAÇÃO TELEFÔNICA
A turma do ITA formada em 1960 não teve dificuldade para encontrar emprego. Diversas empresas enviaram seus Gerentes de Pessoal (eram assim chamados os gestores de RH) para contratar antecipadamente os formandos. Entre essa empresas estava a Standard Eléctrica S.A. (SESA), subsidiária da ITT (International Telegraph and Telephone) que conseguiu convencer seis formandos (Augusto, Barbieri, Thomás, Aíser, Ramalho e Parola) a irem trabalhar em sua fábrica no Rio de Janeiro.
Dos seis somente quatro chegaram a ser admitidos porque o Augusto e o Barbieri preferiram ir para a IBM.

A SESA era uma fábrica localizada no Rio de Janeiro, em Vicente de Carvalho, onde ocupava uma área de cerca de 60.000 m2 com aproximadamente 2.500 empregados e cuja produção principal se concentrava em aparelhos de rádio e televisão, mas que tinha várias outras linhas de produtos como aparelhos telefônicos, equipamentos de ondas portadoras, válvulas de alta potência para “broadcasting”, PABX, retificadores e começava a montar centrais telefônicas eletromecânicas a partir de componentes importados. A SESA havia também sido a responsável, desde 1930, pela instalação de toda a rede telefônica da cidade do Rio de Janeiro, utilizando para isso centrais telefônicas importadas da Bélgica e dos Estados Unidos. No entanto durante toda a década de 50 não houve expansões dessa rede que na época contava com somente 250.000 terminais instalados e se vislumbrava que as expansões viessem a ser retomadas sendo para isso seria necessário também iniciar a fabricação das centrais telefônicas no Brasil.

Vários argumentos me levaram a aceitar a proposta da SESA. O primeiro deles foi o fato da fábrica ficar no Rio de Janeiro, onde morava a minha família, um outro argumento era a perspectiva de trabalho em uma área praticamente virgem e que deveria crescer muito, outro argumento apresentado pelo Gerente de Pessoal da SESA foi que a ITT estava completando o desenvolvimento de uma central telefônica totalmente eletrônica e finalmente o último ponto que me levou a escolher a SESA e a área de centrais telefônicas foi motivado por uma visita feita à CTB  (Companhia Telefônica Brasileira) em 1958. 

O curso de eletrônica no ITA dava uma grande ênfase às técnicas de transmissão mas não havia praticamente nenhuma informação a respeito de centrais telefônicas. A tecnologia de comutação telefônica nessa época não era ensinada nas universidades e estava concentrada essencialmente nos grandes fabricantes internacionais tais como a ATT ( com o Bell Labs), A ITT, a Siemens, a Ericsson, etc,  associados às empresas operadoras dos países em que se situavam as suas sedes.  A visita à CTB em São Paulo (Rua 7 de abril) com o professor Wallauschek tinha como objetivo ver os modernos equipamentos de micro ondas usados para comunicações interurbanas entre São Paulo e Rio mas serviu para que eu tivesse acesso pela primeira vez a um equipamento de comutação. Nessa época não havia discagem direta à distância e todas as ligações interurbanas eram efetuadas através de telefonistas. O usuário ao discar o código 101 era atendido por uma telefonista em uma mesa interurbana. Essa mesa interurbana por sua vez através de equipamentos de comutação rotativos do tipo eletromecânico denominados “Toll Switching” permitiam a interligação aos circuitos interurbanos disponíveis nos equipamentos de micro ondas.  Os equipamentos de micro ondas ficavam em uma sala escura junto com os equipamentos “Toll Switching”.  Como eu nunca havia visto nada parecido com aquela parafernália, não só fiquei intrigado mas também motivado a tentar entender aquelas máquinas barulhentas chamadas de equipamentos de comutação. Esta motivação associada à perspectiva de poder trabalhar com centrais eletrônicas foi talvez o ponto que mais me atraiu a trabalhar na SESA.

Mal sabia eu que essas tais de centrais eletrônicas, como eram chamadas na época, só seriam introduzidas no Brasil em meados da década de 80, isto é vinte cinco anos depois deste sonho imaginário.