Em 1976 foi criado o CPqD (Centro de Pesquisa e
Desenvolvimento) como parte integrante da estrutura da Telebrás. Com a
instalação provisória do CPqD em diversos prédios na cidade de Campinas o
projeto SISCOM sob a denominação de SISCOM II foi transferido da FDTE para a
estrutura interna do CPqD. Em paralelo foi dado início à construção da sede
definitiva do CPqD
No final de 1979, levando em consideração os
desenvolvimentos já realizados, chegou-se à conclusão que o desenvolvimento de
centrais telefônicas de grande porte exigiriam uma equipe bem maior do que a
disponível tendo então sido realizados os primeiros estudos relativos ao
desenvolvimento da central TRÓPICO R, tendo R o significado de Rural, e de um
concentrador de linhas (TRÓPICO C) ambos com capacidade da ordem de 200
terminais.
As principais razões para a decisão tomada tinham sido:
·
Atender à política de interiorização dos
serviços de telecomunicações para áreas rurais nas quais seria necessário
dispor de equipamentos econômicos para pequena quantidade de terminais;
·
Aproveitar o conhecimento adquirido no
projeto SISCOM II possibilitando o engajamento imediato de indústrias nacionais
no desenvolvimento e fabricação de equipamentos de pequeno porte, contribuindo
deste modo para antecipar a capacitação dessas indústrias visando a futura fabricação
de equipamentos de maior porte;
No início de 1980 foi dado início ao desenvolvimento de
TRÓPICO C.
Em meados de 1980 as instalações definitivas do CPqD
foram concluídas e todos os grupos de desenvolvimento não só de comutação mas
também de transmissão e de componentes, que estavam espalhados em vários
prédios foram reunidos na nova sede.
Também nessa época ocorreram algumas mudanças internas
com a saída de Luiz de Oliveira Machado e de Newton Scartezzini, tendo eu sido
convidado por Jorge Marsiaj, diretor de P&D, para ocupar a posição de chefe
do Departamento de Comutação, responsável pelo desenvolvimento do TRÓPICO.
Cheguei ao CPqD no final de julho de 1980, justamente
durante a semana em que todos os trabalhos estavam suspensos para que fosse realizada
a mudança de todos os equipamentos e projetos para a sede definitiva,
localizada junto à rodovia que liga Campinas a Mogi-Mirim. Na realidade
continuei como funcionário da Telerj, terceirizado à Telebrás, até outubro de
1981.
O desenvolvimento do TRÓPICO C já havia sido iniciado e era
conduzido por uma equipe chefiada por José Luis Oliveira de Souza, não havendo
grandes polêmicas quanto ao seu desenvolvimento.
No entanto com relação às centrais locais havia duas
correntes internas ao Departamento de Comutação. A primeira corrente advogava
que a central a ser desenvolvida deveria seguir a linha do SISCOM II que
possuía uma estrutura de controle centralizada baseada em minicomputadores
equivalentes ao modelo PDP-11 da empresa Digital. A segunda corrente advogava a
adoção de uma estrutura de controle distribuído com dezenas de micro
computadores. Na época a maioria dos
sistemas comerciais adotava uma estrutura de controle centralizada baseada em
equipamento equivalentes a computadores de grande porte ou um misto de
computadores centralizados de grande porte associados a micro-computadores
regionais, como por exemplo o sistema AXE da Ericsson.
Comecei a analisar o problema no início de agosto de
1980, logo que cheguei ao CPqD, mas só no início de outubro tomei uma decisão a
respeito, escolhendo a alternativa de um sistema de controle distribuído,
abandonando portanto tudo o que havia sido desenvolvido no Projeto SISCOM II.
Essa talvez tenha sido a decisão mais difícil de toda a minha vida profissional
pois todas as pessoas das duas correntes estavam imbuídas das melhores
intenções e achavam que a solução que propunham era a mais adequada ao projeto.
Talvez o CPqD tenha sido em escala mundial um dos
primeiros centros de desenvolvimento a adotar a solução de controle distribuído
para as centrais temporais (digitais) com controle a programa armazenado
(CPA-T). A escolha da solução de controle distribuído deixou muitos
profissionais insatisfeitos e alguns deles dentro em pouco chegaram a deixar o
projeto, mas na minha opinião essa foi uma decisão acertada pois a escolha de
uma arquitetura de controle centralizado tornaria praticamente impossível a
industrialização das centrais por pequenas empresas nacionais. Ver o
depoimento: “Controle Distribuído nos Sistemas CPA-T”
2. PARTICIPAÇÃO DAS INDÚSTRIAS NO DESENVOLVIMENTO
Em agosto de 1980 havia 75 profissionais trabalhando no
Projeto TRÓPICO e devido à dificuldade em aumentar o quadro interno foram
contratadas duas empresas para participar do desenvolvimento do TRÓPICO RC. A
primeira a ser contratada foi a Embracom Engenharia Pesquisa e Desenvolvimento
(EEPD) através de contrato assinado em 14/07/1980 e a segunda foi a Elebra
Pladen através de contrato assinado em 03/11/1980, sem que no entanto a
Telebrás tivesse assumido com essas empresas qualquer compromisso quanto à
fabricação dos equipamentos resultantes do desenvolvimento. A
empresa EEPD teve a totalidade de suas ações adquiridas pela Promon Engenharia
S.A em 15/06/1982.
Os contratos assinados em 1980 tinham uma duração
prevista de 24 meses que era o prazo previsto para o desenvolvimento do
projeto, prazo este que se mostrou inexequível devido aos seguintes fatores:
·
inexperiência da equipe;
·
infraestrutura interna ao CPqD insuficiente para
suportar o projeto de hardware (oficina mecânica, CAD para o projeto, fabrica
de placas, etc) e de software (até 1982 o único computador disponível para
atender a todo o CPqD era um PDP11/70);
·
infraestrutura das empresas contratadas
também insuficiente para compensar as deficiências internas;
·
“turn-over” relativamente elevado devido à
dificuldade da Telebrás em estabelecer uma política salarial para profissionais
altamente qualificados compatível com o
mercado.
Outro fator que também teve uma certa influência no
atraso foi uma posição estratégica equivocada. O grande objetivo do Programa de
Comutação Eletrônica era o desenvolvimento de uma central local de grande
porte: o TRÒPICO L. Para realizar esse objetivo era claramente visualizado que
os recursos disponíveis eram insuficientes, no entanto, ao invés de atacar
exclusivamente o desenvolvimento da central de pequeno porte, foram mantidos
alguns elementos dedicados ao TRÓPICO L, especialmente na Engenharia de
Sistemas e no desenvolvimento do processador TR-21, na expectativa que fosse
realizada uma maciça injeção de recursos adicionais. À medida que se verificou
que isso não ocorreria, iniciou-se um processo de envolvimento de todo o
departamento no desenvolvimento do TRÓPICO R.
Deste modo em 18.11.1982 novos contratos de
desenvolvimento com duração de 24 meses foram assinados com a ELEBRA e a
PROMON.
3. TRÓPICO C
O teste do TRÓPICO C foi realizado na TELERJ em duas
fases:
·
Em uma primeira fase no período de 05.04.82
até 24.05.82 no laboratório da TELERJ
·
Em uma segunda fase no período de 18.04.83 a
04.05.83 foi instalado na central do Leblon no Rio de Janeiro com 160
assinantes residenciais tendo sido a unidade local (UC) e a unidade remota (UD)
instaladas no mesmo local de modo a ter uma supervisão e controle das chamadas em ambos os
equipamentos.
O projeto TRÓPICO C foi concluído em dezembro de 1983 com
a instalação de um Modelo de Teste em Campo (MTC) com capacidade para 192
terminais na estação de Barão Geraldo em Campinas cujos testes foram concluídos
pela TELESP em 21.02.1984, mas já em setembro de 1983 havia sido contratado o
fornecimento de três concentradores com a Elebra e três com a Promon.
4. TRÓPICO R
O desenvolvimento da central TRÓPICO R foi efetivamente
iniciado no final de 1980. Inicialmente previa-se que a capacidade final seria
de 1000 terminais. Durante o desenvolvimento chegou-se à conclusão que sob o
ponto de vista do “hardware” a central poderia chegar a 4096 terminais, no
entanto, sob o ponto de vista do software não havia sido prevista tal
capacidade, tendo sido adotada a seguinte linha de ação:
·
Preparar o “hardware” para a capacidade final
de 4.096 terminais;
·
Manter o “software” limitado a 1.536
terminais, de modo a não provocar ainda maiores atrasos ao desenvolvimento.
Os protótipos de laboratório do TRÓPICO R tiveram as
seguintes características:
Protótipo
|
Início
Montagem
|
Integração
|
Características
|
A1
|
3.º
trim. 83
|
1.º
trim. 84
|
1
plano de comutação e placas em “wire-“wrap”
|
A2
|
4.º
trim.83
|
2.º trim.84
|
3
planos algumas placas definitivas
|
B
|
1.º
trim. 84
|
Julho
84
|
3
planos, 256 assinantes, placas definitivas
|
Em meados de 1984, eu estava preocupado com as restrições
orçamentárias e com a capacidade financeira da Elebra e da Promon e acreditava
que algo deveria ser feito para consolidar o processo de industrialização do
TRÓPICO R, pois se nada fosse feito com a mudança de governo que ocorreria no
início de 1985, talvez as empresas não tivessem fôlego para levar o projeto à
frente. Consegui convencer Jorge Marsiaj, então diretor de P&D, a apresentar
à diretoria da Telebrás uma estratégia para a comercialização do TRÓPICO R.
Aprovada pela diretoria, essa estratégia para consolidar o processo de
desenvolvimento e industrialização, conduziu às seguintes decisões:
·
Firmar contratos para aquisição de um lote
piloto de 6.000 terminais do TRÓPICO R com a Elebra e 6.000 terminais com a
Promon;
·
Assinatura em 19.12.84 de contratos de
obrigações em que a Telebrás se comprometia a adquirir 15.000 terminais por ano
com cada uma das duas empresas.
A razão para a proposta da estratégia adotada era que se
o projeto não fosse consolidado, seria bem possível que o novo governo quisesse
fazer uma reavaliação do mesmo. Isso poderia ter como consequência até mesmo o
cancelamento do projeto e os antigos dirigentes da Telebrás e do CPqD poderiam
até ser considerados com incompetentes por gastar alguns milhões de dólares em
um projeto que não havia sido concretizado.
Além dos protótipos de laboratório foram instalados dois
modelos de teste em campo (MTC), sendo um na Estação do Cambuí (TELESP) em
Campinas e outro na Estação Lago Sul (TELEBRASÍLIA) em Brasília, ambos com o
“software” na versão de 1.536 terminais, conforme tabela abaixo:
MTC
TRÓPICO R
|
Instalação
|
Início
Aceitação
|
Término
Aceitação
|
Telesp
|
Dezembro
1984
|
27/05/85
|
08/07/85
|
Telebrasília
|
Dezembro
1984
|
23/07/85
|
20/09/85
|
O desenvolvimento do TRÓPICO R com o “software” para
4.096 terminais, foi instalado no MTC de Brasília em agosto de 1986, marcando
desta forma o final do desenvolvimento. Deve ser realçado que a troca de
software foi realizada em algumas horas, durante a madrugada, sem provocar
maiores transtornos ao funcionamento da central.
Em outubro de 1986 foram assinados termos aditivos aos
contratos de obrigações com a Elebra e a Promon assegurando a contratação
durante quatro anos de um volume mínimo de 30.000 terminais por ano do TRÓPICO
R.
Ainda em 1986 foi dado início ao desenvolvimento da
central local de grande porte que passou a ser denominada TRÓPICO RA com uma
equipe de cerca de 300 profissionais qualificados, sendo 65% com nível
superior, e com uma distribuição de cerca de 100 profissionais em cada entidade
envolvida (CPqD, Elebra e Promon), ou seja uma equipe quatro vezes maior do que
a equipe de desenvolvimento existente em 1980 que era de 75 profissionais.
Muitos desses profissionais foram responsáveis pela criação de novas empresas
de alta tecnologia o que demonstrou a veracidade da afirmação do general
Alencastro que era tão importante para o país a formação de pesquisadores e
especialistas, permitindo o domínio da tecnologia, como os resultados obtidos
com os projetos de desenvolvimento.
5. SERÁ QUE VALEU A PENA FAZER O DESENVOLVIMENTO DO
TRÓPICO?
Em 13 de junho de 1984 a Ericsson fez uma apresentação
comemorativa da nacionalização do processador central das centrais AXE. Deve
ser realçado que AXE é a denominação dada pela Ericsson às centrais com
controle a programa armazenado tanto do tipo espacial (CPA-E) como do tipo
temporal (CPA-T), ambas com controle do tipo centralizado, isto é, controladas
por dois computadores, equivalentes aos “main frames” usados em informática. Já
a central TRÓPICO R é uma central de controle distribuído controlada por uma
grande quantidade de microcomputadores.
Da mesma forma que outras centrais, as centrais AXE eram
compostas de bastidores nos quais eram instalados magazines (sub-bastidores)
equipados com painéis traseiros aos quais eram interligadas os diversos tipos
de placas.
Abaixo uma comparação da central AXE com a central
TRÓPICO R:
|
AXE
|
TRÓPICO
R
|
Capacidade
(terminais)
|
40.000
|
4.000
|
Tipos
de placas de circuito impresso
|
200
|
25
|
Quantidade
de painéis traseiros (sub-bastidores)
|
50
|
3
|
Tecnologia
dos painéis traseiros
|
“Wire-wrap”
|
Circuito
Impresso
|
Processador
Central (sub-bastidores)
|
13
|
Não
usa processador central
|
Processador
Central (tipos de placas)
|
63
|
Não
usa processador central
|
A fiação ‘wire-wrap” dos painéis traseiros usados nas
centrais AXE era feita por máquinas automáticas Gardner Denver cujo custo
unitário era de cerca de um milhão de dólares e que exigiam complexos programas
para seu funcionamento.
Por outro lado os painéis traseiros da central TRÓPICO
eram confeccionados por empresas nacionais fabricantes de placas de circuito
impresso.
Portanto o desenvolvimento do TRÓPICO R garantiu que
pequenas empresas como a ELEBRA e a EEPD (posteriormente Promon) tivessem
condições de fabricar o equipamento sem a exigência de altos investimentos e se
tornassem competidoras, no mercado brasileiro, das grandes empresas
multinacionais aqui instaladas como Ericsson, NEC, Siemens, etc.
Um fator que demonstra que valeu a pena fazer o desenvolvimento
foi o aumento da competitividade que provocou uma redução substancial do preço
dos equipamentos de comutação. No Livro “Alencastro – O general das
telecomunicações” o engenheiro Raul Del Fiol menciona que houve uma redução de
quase 50% nos preços cobrados pelas empresas multinacionais devido à entrada da
central TRÓPICO RA (a versão de grande porte do TRÓPICO) no mercado.
Outro fator que que demonstra que valeu a pena realizar o
desenvolvimento do TRÓPICO foi a disseminação do conhecimento por profissionais
formados no projeto TRÓPICO que permitiu que pequenas empresas desenvolvessem
centrais CPA-T de pequeno porte, como a BATIK (centrais ELCOM) e a ZETAX
(centrais ZTX-610), que tiveram grande aceitação tendo sido instaladas no
Sistema Telebrás mais de mil centrais de cada um desses tipos perfazendo mais
de dois milhões de terminais. Após a privatização ambas as empresas (Batik e
Zetax) foram adquiridas pela Lucent que colocou no mercado internacional o
produto BZ5000 baseado nos desenvolvimentos dessas empresas que se mostrava
mais competitivo que a central 5ESS da Lucent para capacidades até 5.000
terminais de assinantes. Mais uma demonstração do valor da tecnologia de
telecomunicações desenvolvida no Brasil que em grande parte se originou no
desenvolvimento do TRÓPICO.