quarta-feira, 23 de outubro de 2013

As razões para a existência do Blog do Parola


As razões para a existência do Blog doParola

Parece estranho que o Blog do Parola tenha o endereço telecom-brasil.blogspot.com.br 

Afinal de contas telecom-brasil tem uma dose de megalomania  mas há uma razão para isso.  Há alguns anos eu criei o blog com o objetivo de fazer comentários sobre as telecomunicações no Brasil com foco nas atividades regulatórias desenvolvidas pela ANATEL, principalmente para mostrar como estávamos atrasados em relação a outros países. Portanto o endereço telecom-brasil se aplicava. Fiz uma ou duas postagens e depois, como acontece com a maioria dos blogs feitos por aposentados, nunca mais me dediquei a publicar nada no blog, embora tenha continuado a fazer comentários em várias Consultas Públicas tanto da ANATEL como do Minicom. Quem quiser ter acesso a alguns desses comentários clique aqui.

Recentemente, em junho deste ano, tive uma ideia inversa, ou seja criei um site www.agenciasreguladoras.com destinado a todos os interessados em acompanhar as atividades das Agências Reguladoras de Telecomunicações de outros países, iniciando com a  ARCEP - Autorité de Régulation des Communications Électroniques et des Postes da França e com  OFCOM – Office of Communications do Reino Unido, sendo esse  acompanhamento realizado através da publicação de notícias, em português, contendo um resumo das atividades por elas executadas com “links” para as publicações originais, especialmente em relação às Consultas Públicas e às decisões delas decorrentes. Essas sinopses permitiriam que os especialistas em telecomunicações de língua portuguesa tivessem uma ideia geral do que as agências estrangeira estão fazendo e em caso de interesse pudessem ter acesso facilmente aos documentos originais.

Considero que a ANATEL está pelo menos dez anos atrasada em relação a algumas  agências  reguladoras estrangeiras,  e essa foi a razão para tentar criar tanto o Blog do Parola como o site Agências Reguladoras.

Com o site Agências Reguladoras   da mesma maneira que com o Blog do Parola, fiz uma postagem em junho de 2013 e uma outra postagem em julho 2013 e depois nunca mais me dediquei ao site.

No início de setembro de 2013 o Loreno me informou que um grupo de engenheiros formados no ITA resolveu lançar um livro com o título: " Os Engenheiros do ITA e o Salto Tecnológico das Telecomunicações no País” com o objetivo de mostrar que o salto de inovações tecnológicas como vem sendo realizado há sessenta anos, foi viabilizado devido a uma enorme motivação convergente de um grupo de idealistas, em especial "os engenheiros do ITA" envolvidos nessa explosão das telecomunicações. Como o livro contaria com depoimentos de diversas pessoas, o Loreno sugeriu ao engenheiro Delson Siffert, um dos coordenadores do projeto, que gostaria de apresentar um depoimento sobre o planejamento, especificação e implantação do sistema de sinalização adequado à Rede Digital, o SS Nº7, e sugeriu também que eu apresentasse algum depoimento.
 
Avisei ao Loreno que não iria conseguir me enquadrar no esquema proposto para o livro, pois precisaria falar não só dos acertos mas principalmente dos erros cometidos.  Mas achei a ideia interessante e comecei a registrar algumas passagens da minha vida profissional para transmitir aos meus filhos e neto e resolvi publicar no Blog do Parola    eliminando para isso as postagens antigas.

Posteriormente me dispus a escrever um depoimento sob o título de: “Histórico do desenvolvimento do TRÓPICO RC”. Não sei se esse depoimento será aproveitado no livro a ser publicado mas de qualquer forma uma cópia desse documento está em uma postagem deste blog.

HISTÓRICO DO DESENVOLVIMENTO DO TRÓPICO RC


HISTÓRICO DO DESENVOLVIMENTO DO TRÓPICO RC

1. INTRODUÇÃO
 
Através do Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento da Telebrás, antes mesmo da criação do CPqD foram contratados diversos estudos e desenvolvimentos externos. Um desses contratos foi o Projeto SISCOM com a FDTE da USP com o objetivo de realizar estudos para o desenvolvimento de uma central telefônica digital
Em 1976 foi criado o CPqD (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento) como parte integrante da estrutura da Telebrás. Com a instalação provisória do CPqD em diversos prédios na cidade de Campinas o projeto SISCOM sob a denominação de SISCOM II foi transferido da FDTE para a estrutura interna do CPqD. Em paralelo foi dado início à construção da sede definitiva do CPqD
No final de 1979, levando em consideração os desenvolvimentos já realizados, chegou-se à conclusão que o desenvolvimento de centrais telefônicas de grande porte exigiriam uma equipe bem maior do que a disponível tendo então sido realizados os primeiros estudos relativos ao desenvolvimento da central TRÓPICO R, tendo R o significado de Rural, e de um concentrador de linhas (TRÓPICO C) ambos com capacidade da ordem de 200 terminais.

As principais razões para a decisão tomada tinham sido:
·         Atender à política de interiorização dos serviços de telecomunicações para áreas rurais nas quais seria necessário dispor de equipamentos econômicos para pequena quantidade de terminais;
·         Aproveitar o conhecimento adquirido no projeto SISCOM II possibilitando o engajamento imediato de indústrias nacionais no desenvolvimento e fabricação de equipamentos de pequeno porte, contribuindo deste modo para antecipar a capacitação dessas indústrias visando a futura fabricação de equipamentos de maior porte;
No início de 1980 foi dado início ao desenvolvimento de TRÓPICO C.
Em meados de 1980 as instalações definitivas do CPqD foram concluídas e todos os grupos de desenvolvimento não só de comutação mas também de transmissão e de componentes, que estavam espalhados em vários prédios foram reunidos na nova sede.
Também nessa época ocorreram algumas mudanças internas com a saída de Luiz de Oliveira Machado  e de Newton Scartezzini, tendo eu sido convidado por Jorge Marsiaj, diretor de P&D, para ocupar a posição de chefe do Departamento de Comutação, responsável pelo desenvolvimento do TRÓPICO.
Cheguei ao CPqD no final de julho de 1980, justamente durante a semana em que todos os trabalhos estavam suspensos para que fosse realizada a mudança de todos os equipamentos e projetos para a sede definitiva, localizada junto à rodovia que liga Campinas a Mogi-Mirim. Na realidade continuei como funcionário da Telerj, terceirizado à Telebrás, até outubro de 1981.
O desenvolvimento do TRÓPICO C já havia sido iniciado e era conduzido por uma equipe chefiada por José Luis Oliveira de Souza, não havendo grandes polêmicas quanto ao seu desenvolvimento.
No entanto com relação às centrais locais havia duas correntes internas ao Departamento de Comutação. A primeira corrente advogava que a central a ser desenvolvida deveria seguir a linha do SISCOM II que possuía uma estrutura de controle centralizada baseada em minicomputadores equivalentes ao modelo PDP-11 da empresa Digital. A segunda corrente advogava a adoção de uma estrutura de controle distribuído com dezenas de micro computadores.  Na época a maioria dos sistemas comerciais adotava uma estrutura de controle centralizada baseada em equipamento equivalentes a computadores de grande porte ou um misto de computadores centralizados de grande porte associados a micro-computadores regionais, como por exemplo o sistema AXE da Ericsson.
Comecei a analisar o problema no início de agosto de 1980, logo que cheguei ao CPqD, mas só no início de outubro tomei uma decisão a respeito, escolhendo a alternativa de um sistema de controle distribuído, abandonando portanto tudo o que havia sido desenvolvido no Projeto SISCOM II. Essa talvez tenha sido a decisão mais difícil de toda a minha vida profissional pois todas as pessoas das duas correntes estavam imbuídas das melhores intenções e achavam que a solução que propunham era a mais adequada ao projeto.
Talvez o CPqD tenha sido em escala mundial um dos primeiros centros de desenvolvimento a adotar a solução de controle distribuído para as centrais temporais (digitais) com controle a programa armazenado (CPA-T). A escolha da solução de controle distribuído deixou muitos profissionais insatisfeitos e alguns deles dentro em pouco chegaram a deixar o projeto, mas na minha opinião essa foi uma decisão acertada pois a escolha de uma arquitetura de controle centralizado tornaria praticamente impossível a industrialização das centrais por pequenas empresas nacionais. Ver o depoimento: “Controle Distribuído nos Sistemas CPA-T”
2. PARTICIPAÇÃO DAS INDÚSTRIAS NO DESENVOLVIMENTO
Em agosto de 1980 havia 75 profissionais trabalhando no Projeto TRÓPICO e devido à dificuldade em aumentar o quadro interno foram contratadas duas empresas para participar do desenvolvimento do TRÓPICO RC. A primeira a ser contratada foi a Embracom Engenharia Pesquisa e Desenvolvimento (EEPD) através de contrato assinado em 14/07/1980 e a segunda foi a Elebra Pladen através de contrato assinado em 03/11/1980, sem que no entanto a Telebrás tivesse assumido com essas empresas qualquer compromisso quanto à fabricação dos equipamentos resultantes do desenvolvimento.   A empresa EEPD teve a totalidade de suas ações adquiridas pela Promon Engenharia S.A em 15/06/1982.
Os contratos assinados em 1980 tinham uma duração prevista de 24 meses que era o prazo previsto para o desenvolvimento do projeto, prazo este que se mostrou inexequível devido aos seguintes fatores:
·         inexperiência da equipe;
·         infraestrutura interna ao CPqD insuficiente para suportar o projeto de hardware (oficina mecânica, CAD para o projeto, fabrica de placas, etc) e de software (até 1982 o único computador disponível para atender a todo o CPqD era um PDP11/70);
·         infraestrutura das empresas contratadas também insuficiente para compensar as deficiências internas;
·         “turn-over” relativamente elevado devido à dificuldade da Telebrás em estabelecer uma política salarial para profissionais altamente qualificados  compatível com o mercado.
Outro fator que também teve uma certa influência no atraso foi uma posição estratégica equivocada. O grande objetivo do Programa de Comutação Eletrônica era o desenvolvimento de uma central local de grande porte: o TRÒPICO L. Para realizar esse objetivo era claramente visualizado que os recursos disponíveis eram insuficientes, no entanto, ao invés de atacar exclusivamente o desenvolvimento da central de pequeno porte, foram mantidos alguns elementos dedicados ao TRÓPICO L, especialmente na Engenharia de Sistemas e no desenvolvimento do processador TR-21, na expectativa que fosse realizada uma maciça injeção de recursos adicionais. À medida que se verificou que isso não ocorreria, iniciou-se um processo de envolvimento de todo o departamento no desenvolvimento do TRÓPICO R.
Deste modo em 18.11.1982 novos contratos de desenvolvimento com duração de 24 meses foram assinados com a ELEBRA e a PROMON.

3. TRÓPICO C
O teste do TRÓPICO C foi realizado na TELERJ em duas fases:
·         Em uma primeira fase no período de 05.04.82 até 24.05.82 no laboratório da TELERJ
·         Em uma segunda fase no período de 18.04.83 a 04.05.83 foi instalado na central do Leblon no Rio de Janeiro com 160 assinantes residenciais tendo sido a unidade local (UC) e a unidade remota (UD) instaladas no mesmo local de modo a ter uma supervisão e   controle das chamadas em ambos os equipamentos.
O projeto TRÓPICO C foi concluído em dezembro de 1983 com a instalação de um Modelo de Teste em Campo (MTC) com capacidade para 192 terminais na estação de Barão Geraldo em Campinas cujos testes foram concluídos pela TELESP em 21.02.1984, mas já em setembro de 1983 havia sido contratado o fornecimento de três concentradores com a Elebra e três com a Promon.

4. TRÓPICO R
O desenvolvimento da central TRÓPICO R foi efetivamente iniciado no final de 1980. Inicialmente previa-se que a capacidade final seria de 1000 terminais. Durante o desenvolvimento chegou-se à conclusão que sob o ponto de vista do “hardware” a central poderia chegar a 4096 terminais, no entanto, sob o ponto de vista do software não havia sido prevista tal capacidade, tendo sido adotada a seguinte linha de ação:
·         Preparar o “hardware” para a capacidade final de 4.096 terminais;
·         Manter o “software” limitado a 1.536 terminais, de modo a não provocar ainda maiores atrasos ao desenvolvimento.
Os protótipos de laboratório do TRÓPICO R tiveram as seguintes características:


Protótipo

Início Montagem

Integração

Características

A1

3.º trim. 83

1.º trim. 84

1 plano de comutação e placas em “wire-“wrap”

A2

4.º trim.83

2.º trim.84

3 planos algumas placas definitivas

B

1.º trim. 84

Julho 84

3 planos, 256 assinantes, placas definitivas

 Em meados de 1984, eu estava preocupado com as restrições orçamentárias e com a capacidade financeira da Elebra e da Promon e acreditava que algo deveria ser feito para consolidar o processo de industrialização do TRÓPICO R, pois se nada fosse feito com a mudança de governo que ocorreria no início de 1985, talvez as empresas não tivessem fôlego para levar o projeto à frente. Consegui convencer Jorge Marsiaj, então diretor de P&D, a apresentar à diretoria da Telebrás uma estratégia para a comercialização do TRÓPICO R. Aprovada pela diretoria, essa estratégia para consolidar o processo de desenvolvimento e industrialização, conduziu às seguintes decisões:
·         Firmar contratos para aquisição de um lote piloto de 6.000 terminais do TRÓPICO R com a Elebra e 6.000 terminais com a Promon;
·         Assinatura em 19.12.84 de contratos de obrigações em que a Telebrás se comprometia a adquirir 15.000 terminais por ano com cada uma das duas empresas.
A razão para a proposta da estratégia adotada era que se o projeto não fosse consolidado, seria bem possível que o novo governo quisesse fazer uma reavaliação do mesmo. Isso poderia ter como consequência até mesmo o cancelamento do projeto e os antigos dirigentes da Telebrás e do CPqD poderiam até ser considerados com incompetentes por gastar alguns milhões de dólares em um projeto que não havia sido concretizado.
Além dos protótipos de laboratório foram instalados dois modelos de teste em campo (MTC), sendo um na Estação do Cambuí (TELESP) em Campinas e outro na Estação Lago Sul (TELEBRASÍLIA) em Brasília, ambos com o “software” na versão de 1.536 terminais, conforme tabela abaixo:

MTC TRÓPICO R

Instalação

Início Aceitação

Término Aceitação

Telesp

Dezembro 1984

27/05/85

08/07/85

Telebrasília

Dezembro 1984

23/07/85

20/09/85


O desenvolvimento do TRÓPICO R com o “software” para 4.096 terminais, foi instalado no MTC de Brasília em agosto de 1986, marcando desta forma o final do desenvolvimento. Deve ser realçado que a troca de software foi realizada em algumas horas, durante a madrugada, sem provocar maiores transtornos ao funcionamento da central.

Em outubro de 1986 foram assinados termos aditivos aos contratos de obrigações com a Elebra e a Promon assegurando a contratação durante quatro anos de um volume mínimo de 30.000 terminais por ano do TRÓPICO R.
Ainda em 1986 foi dado início ao desenvolvimento da central local de grande porte que passou a ser denominada TRÓPICO RA com uma equipe de cerca de 300 profissionais qualificados, sendo 65% com nível superior, e com uma distribuição de cerca de 100 profissionais em cada entidade envolvida (CPqD, Elebra e Promon), ou seja uma equipe quatro vezes maior do que a equipe de desenvolvimento existente em 1980 que era de 75 profissionais. Muitos desses profissionais foram responsáveis pela criação de novas empresas de alta tecnologia o que demonstrou a veracidade da afirmação do general Alencastro que era tão importante para o país a formação de pesquisadores e especialistas, permitindo o domínio da tecnologia, como os resultados obtidos com os projetos de desenvolvimento.

5. SERÁ QUE VALEU A PENA FAZER O DESENVOLVIMENTO DO TRÓPICO?
Em 13 de junho de 1984 a Ericsson fez uma apresentação comemorativa da nacionalização do processador central das centrais AXE. Deve ser realçado que AXE é a denominação dada pela Ericsson às centrais com controle a programa armazenado tanto do tipo espacial (CPA-E) como do tipo temporal (CPA-T), ambas com controle do tipo centralizado, isto é, controladas por dois computadores, equivalentes aos “main frames” usados em informática. Já a central TRÓPICO R é uma central de controle distribuído controlada por uma grande quantidade de microcomputadores.
Da mesma forma que outras centrais, as centrais AXE eram compostas de bastidores nos quais eram instalados magazines (sub-bastidores) equipados com painéis traseiros aos quais eram interligadas os diversos tipos de placas.
Abaixo uma comparação da central AXE com a central TRÓPICO R:
 

 

AXE

TRÓPICO R

Capacidade (terminais)

40.000

4.000

Tipos de placas de circuito impresso

200

25

Quantidade de painéis traseiros (sub-bastidores)

50

3

Tecnologia dos painéis traseiros

“Wire-wrap”

Circuito Impresso

Processador Central (sub-bastidores)

13

Não usa processador central

Processador Central (tipos de placas)

63

Não usa processador central

 
A fiação ‘wire-wrap” dos painéis traseiros usados nas centrais AXE era feita por máquinas automáticas Gardner Denver cujo custo unitário era de cerca de um milhão de dólares e que exigiam complexos programas para seu funcionamento.
Por outro lado os painéis traseiros da central TRÓPICO eram confeccionados por empresas nacionais fabricantes de placas de circuito impresso.
Portanto o desenvolvimento do TRÓPICO R garantiu que pequenas empresas como a ELEBRA e a EEPD (posteriormente Promon) tivessem condições de fabricar o equipamento sem a exigência de altos investimentos e se tornassem competidoras, no mercado brasileiro, das grandes empresas multinacionais aqui instaladas como Ericsson, NEC, Siemens, etc.
Um fator que demonstra que valeu a pena fazer o desenvolvimento foi o aumento da competitividade que provocou uma redução substancial do preço dos equipamentos de comutação. No Livro “Alencastro – O general das telecomunicações” o engenheiro Raul Del Fiol menciona que houve uma redução de quase 50% nos preços cobrados pelas empresas multinacionais devido à entrada da central TRÓPICO RA (a versão de grande porte do TRÓPICO) no mercado.
Outro fator que que demonstra que valeu a pena realizar o desenvolvimento do TRÓPICO foi a disseminação do conhecimento por profissionais formados no projeto TRÓPICO que permitiu que pequenas empresas desenvolvessem centrais CPA-T de pequeno porte, como a BATIK (centrais ELCOM) e a ZETAX (centrais ZTX-610), que tiveram grande aceitação tendo sido instaladas no Sistema Telebrás mais de mil centrais de cada um desses tipos perfazendo mais de dois milhões de terminais. Após a privatização ambas as empresas (Batik e Zetax) foram adquiridas pela Lucent que colocou no mercado internacional o produto BZ5000 baseado nos desenvolvimentos dessas empresas que se mostrava mais competitivo que a central 5ESS da Lucent para capacidades até 5.000 terminais de assinantes. Mais uma demonstração do valor da tecnologia de telecomunicações desenvolvida no Brasil que em grande parte se originou no desenvolvimento do TRÓPICO.

 

 

 

 

 

 

 
 

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

25 ANOS PARA QUE UM SONHO SE REALIZASSE

2. O ESTÁGIO NA FRANÇA E NA BÉLGICA

Em 1960  era fácil conseguir um estágio na França e como a SESA estava interessada em introduzir no Brasil a fabricação de centrais telefônicas eletromecânicas do tipo de barras cruzadas do modelo Pentaconta desenvolvido pela CGCT (Compagnie Générale de Constructions Téléphoniques), empresa francesa subsidiária da ITT, ainda antes de nos formarmos, o Ramalho e eu optamos pela área de comutação na SESA e iniciamos também as providências para conseguir um estágio na França.
Como os arranjos para conseguir o estágio, incluindo a aprovação da CAPES para pagar a passagem de ida e a aprovação do Itamaraty para nos conceder um passaporte especial, ainda demorariam algum tempo, logo no início de janeiro de 1961, começamos a trabalhar, fazendo uma espécie de estágio com duração de dois meses em todas as áreas da SESA. Lembro-me em especial da semana que passamos na área de equipamentos de onda portadora (equipamentos multiplex que permitiam transmitir vários canais de voz em um par metálico). Talvez por ser a área mais dedicada à tecnologia, a biblioteca da SESA ficava subordinada a essa área que era dirigida por um iteano o Alberto Fabiano. Como o Fabiano era muito formal todos os engenheiros eram chamados de “Doutor”. Qual não foi a minha surpresa ao me dirigir à bibliotecária e ser chamado de Dr. Parola: senti-me como se fosse um médico de avental branco.
A tecnologia da época certamente não tem nada a ver com a tecnologia usada nas fábricas atuais. Algumas dessas tecnologias desapareceram rapidamente como a fabricação de aparelhos telefônicos de baquelite com disco de zamak e a fabricação de válvulas de transmissão de alta potência para “broadcasting” que eram feitas empregando técnicas de vácuo e materiais bastante sofisticados para a época, embora fossem feitas artesanalmente.

A SESA havia nos dito que faríamos um curso sobre o sistema Pentaconta na CGCT. Quando chegamos a Paris em março de 1961 e nos dirigimos à CGCT, descobrimos que curso sobre Pentaconta havia terminado no final do ano anterior. O Sr. Camus, Diretor da área de engenharia, informou que o que poderíamos fazer era participar juntamente com três estagiários das Filipinas, de uma aula diária com duração de uma ou duas horas. Assim começamos a ter aulas sobre os circuitos usados (as centrais eletromecânicas do tipo de barras cruzadas usavam essencialmente seletores de barras cruzadas e relés o que para nós não trazia nenhuma novidade), os equipamentos (tipos de relés e seletores) e principalmente sobre o tráfego telefônico. Quando perguntamos sobre a centrais eletrônicas informaram que quem estava trabalhado nessa área era a BTM (Bell Telephone Manufacturing) subsidiária da ITT na Bélgica.
As aulas sobre tráfego telefônico eram dadas pelo Sr. Chastang, um ex-coronel do exército que havia servido na Síria durante a época da 2.a guerra mundial, tinha sólidos conhecimentos de matemática e estatística e havia introduzido no sistema Pentaconta alguns critérios, como a “entre-ajuda” que permitia reduzir o congestionamento interno, característico de todos os sistemas eletromecânicos cujos seletores apresentavam acessibilidade restrita.
As aulas se realizavam na biblioteca da CGCT e os filipinos que estavam mais interessados em conhecer Paris do que entender o Pentaconta assim que acabava a aula iam embora. Eu e o Ramalho ficávamos estudando ou indo para a fábrica para aprender a respeito da fabricação, montagem, elaboração dos programas de testes e controle de qualidade.

Depois de seis meses de estágio incluindo a parte de manutenção de uma central Pentaconta em operação na rede do PTT francês, instalada em Douai no norte da França, fomos fazer um outro estágio na BTM em Antuérpia.
A razão para o estágio na Bélgica foi principalmente a de manter contato com o pessoal da BTM, pois embora o Pentaconta tivesse sido desenvolvido pela CGCT na França, o relacionamento comercial da SESA era feito, por razões históricas, com a BTM que havia fornecido a maior parte das centrais telefônicas rotativas 7A1 e 7A2 que compunham a rede telefônica da cidade do Rio de Janeiro. Devido à segunda guerra mundial algumas centrais rotativas para o Rio de Janeiro haviam sido fornecidas por uma empresa americana. 

O estágio na CGCT ocorreu durante a primavera e o verão (março a setembro) e o estágio na BTM ocorreu no outono (outubro a dezembro) o que fez uma diferença enorme. 


Em Antuérpia só vimos o sol na primeira semana. Saiamos para trabalhar pouco antes das 8:00 horas e estava escuro, voltávamos às 17:00h e já era noite. Não entendíamos a língua, pois em Antuérpia, que está situada na região de Flandres, fala-se holandês. Lembro-me de uma vez, quando estávamos em um bonde, um homem começou a falar alguma coisa e de repente todos estavam gargalhando, certamente era uma piada mas nós não entendíamos nada e era como se fossemos surdos. A temperatura e o vento eram outro problema. Durante todo o outono a temperatura ficava perto de 0ºC. Não nevava pois a temperatura não era suficientemente baixa, mas chovia e ventava quase que permanentemente. O vento parecia fazer curvas pois em qualquer rua em que estivéssemos o vento sempre soprava forte e mesmo que entrássemos em uma rua perpendicular o vento continuava. Além disso os belgas são muito respeitadores da lei. Nunca atravessam a rua quando o sinal está fechado para os pedestres. Lembro-me de um dia que ao sair do cinema, lá pelas dez da noite, tínhamos de atravessar a Frankrijklei, uma avenida larga. O sinal estava fechado para nós, mas não havia nenhum carro na avenida, e se estivéssemos no Brasil atravessaríamos sem nenhuma dúvida, mas tivemos de esperar uns dois minutos para não fazer feio perante os belgas que esperavam pacientemente que o sinal abrisse para os pedestres.



Aliás, o problema da língua é muito sério na Bélgica. Na região de Flandres fala-se flamengo, um dialeto do holandês, na região da Valônia fala-se francês e em torno de Bruxelas há um região bilíngue. No passado a região da Valônia era mais rica devido à extração de carvão. Hoje em dia a região de Flandres é mais rica. Como em todos os países os políticos belgas não são exceção e exploram as diversidades, no caso da Bélgica caracterizadas pela diversidade de língua e de geração de riqueza, para estimular a desunião e, embora a Bélgica seja um país de apenas 30.000 km2, é  bem possível que no futuro dê origem a dois ou três países. 
25 ANOS PARA QUE UM SONHO SE REALIZASSE



1.  A DECISÃO DE TRABALHAR EM COMUTAÇÃO TELEFÔNICA
A turma do ITA formada em 1960 não teve dificuldade para encontrar emprego. Diversas empresas enviaram seus Gerentes de Pessoal (eram assim chamados os gestores de RH) para contratar antecipadamente os formandos. Entre essa empresas estava a Standard Eléctrica S.A. (SESA), subsidiária da ITT (International Telegraph and Telephone) que conseguiu convencer seis formandos (Augusto, Barbieri, Thomás, Aíser, Ramalho e Parola) a irem trabalhar em sua fábrica no Rio de Janeiro.
Dos seis somente quatro chegaram a ser admitidos porque o Augusto e o Barbieri preferiram ir para a IBM.

A SESA era uma fábrica localizada no Rio de Janeiro, em Vicente de Carvalho, onde ocupava uma área de cerca de 60.000 m2 com aproximadamente 2.500 empregados e cuja produção principal se concentrava em aparelhos de rádio e televisão, mas que tinha várias outras linhas de produtos como aparelhos telefônicos, equipamentos de ondas portadoras, válvulas de alta potência para “broadcasting”, PABX, retificadores e começava a montar centrais telefônicas eletromecânicas a partir de componentes importados. A SESA havia também sido a responsável, desde 1930, pela instalação de toda a rede telefônica da cidade do Rio de Janeiro, utilizando para isso centrais telefônicas importadas da Bélgica e dos Estados Unidos. No entanto durante toda a década de 50 não houve expansões dessa rede que na época contava com somente 250.000 terminais instalados e se vislumbrava que as expansões viessem a ser retomadas sendo para isso seria necessário também iniciar a fabricação das centrais telefônicas no Brasil.

Vários argumentos me levaram a aceitar a proposta da SESA. O primeiro deles foi o fato da fábrica ficar no Rio de Janeiro, onde morava a minha família, um outro argumento era a perspectiva de trabalho em uma área praticamente virgem e que deveria crescer muito, outro argumento apresentado pelo Gerente de Pessoal da SESA foi que a ITT estava completando o desenvolvimento de uma central telefônica totalmente eletrônica e finalmente o último ponto que me levou a escolher a SESA e a área de centrais telefônicas foi motivado por uma visita feita à CTB  (Companhia Telefônica Brasileira) em 1958. 

O curso de eletrônica no ITA dava uma grande ênfase às técnicas de transmissão mas não havia praticamente nenhuma informação a respeito de centrais telefônicas. A tecnologia de comutação telefônica nessa época não era ensinada nas universidades e estava concentrada essencialmente nos grandes fabricantes internacionais tais como a ATT ( com o Bell Labs), A ITT, a Siemens, a Ericsson, etc,  associados às empresas operadoras dos países em que se situavam as suas sedes.  A visita à CTB em São Paulo (Rua 7 de abril) com o professor Wallauschek tinha como objetivo ver os modernos equipamentos de micro ondas usados para comunicações interurbanas entre São Paulo e Rio mas serviu para que eu tivesse acesso pela primeira vez a um equipamento de comutação. Nessa época não havia discagem direta à distância e todas as ligações interurbanas eram efetuadas através de telefonistas. O usuário ao discar o código 101 era atendido por uma telefonista em uma mesa interurbana. Essa mesa interurbana por sua vez através de equipamentos de comutação rotativos do tipo eletromecânico denominados “Toll Switching” permitiam a interligação aos circuitos interurbanos disponíveis nos equipamentos de micro ondas.  Os equipamentos de micro ondas ficavam em uma sala escura junto com os equipamentos “Toll Switching”.  Como eu nunca havia visto nada parecido com aquela parafernália, não só fiquei intrigado mas também motivado a tentar entender aquelas máquinas barulhentas chamadas de equipamentos de comutação. Esta motivação associada à perspectiva de poder trabalhar com centrais eletrônicas foi talvez o ponto que mais me atraiu a trabalhar na SESA.

Mal sabia eu que essas tais de centrais eletrônicas, como eram chamadas na época, só seriam introduzidas no Brasil em meados da década de 80, isto é vinte cinco anos depois deste sonho imaginário.